RETROSPECTIVA 2012
Pediram-me que fizesse uma retrospectiva de 2012,
abordando os temas que mais criaram polêmica na área onde tenho atuado. Tentei
inúmeras vezes escrever, buscando nas postagens do meu blog aquilo que mais me
deixou indignada. Como o antigo escritor sem inspiração, que ficava na frente
da máquina de escrever olhando para um papel em branco, eu, dias seguidos, fiz
o mesmo diante da tela do computador com uma página branca sobre o azul de fundo
do programa.
Pensei, suspirei e me perguntei para o que serviria
a retrospectiva. Para relembrar que os
Guarani-Kaiowá estão morrendo no Mato Grosso do Sul, porque o governo e a Funai não dão a mínima para
eles? E que eles apenas estão reivindicando aquilo que é seu direito imemorial?
E que, acossados, eles, os
Guarani-Kaiowá, não têm como lutar contra sua humilhação e degradação social
diante de grandes fazendeiros que contratam jagunços para proteger suas
suntuosas fazendas despidas da floresta?
Retrospectiva
das imagens da destruição que a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no
rio Xingu, está impondo às populações ribeirinhas e aos povos indígenas? Lembrar que Altamira está se tornando uma pocilga,
sem infraestrutura, com índices alarmantes de prostituição e violência, doenças
e miséria? E que isso já aconteceu em Rondônia com as usinas do Madeira?
Lembrar
que tudo isso é só porque um governante acha que o Brasil tem que crescer 5% ao
ano, mas neste ficou no mísero 1%,
aceitando que o sacrifício imposto aos impactados na Volta Grande do Xingu e
região não foi suficiente para levar a
economia do Brasil à estratosfera megalomaníaca de Dilma Rousseff e Lula?
Agora, veja-se o resultado visível e risível de
Dilma, em momento de ufanismo economicida,
vangloriar-se de elevar o Brasil à posição de 6ª economia do mundo, prometendo
a 5ª. Pois é, acaba de cair para 7ª. Para quê? Alguém no governo fez a conta do
custo desse esforço crescimentista para
o meio ambiente e para as futuras gerações? Esqueci que é esse o futuro que
eles querem, e não o que queremos.
Retrospectiva do processo que aprovou o Código Florestal no Congresso Nacional, que
ainda discute se o agronegócio vai desmatar mais ou menos nas APPs (Áreas de
Proteção Permanente), e como acelerar a anistia dos criminosos desmatadores? Lembrar que a sociedade considera boa a
redução, em pontos porcentuais, do índice de desmatamento na Amazônia, em
relação ao ano passado, quando na verdade deveria chorar pela floresta
derrubada que, lamentavelmente, é transformada em índice?
Retrospectiva
do ataque terrorista de que foi alvo o povo Munduruku, na região do rio Teles Pires, por ordem não se
sabe de quem? A polícia federal, sob a desculpa
de combater o garimpo ilegal, fez uma incursão de filme do Arnold
Schwarzenegger, tipo Comando para
Matar. Isso como se nunca alguém tivesse tido conhecimento da existência
secular da extração de ouro nessa região, comandada por empresas clandestinas alaranjadas, tocada por gente
inescrupulosa e aproveitadora da
ausência deliberada do Estado.
Para que fazer retrospectiva? Só porque é final de ano e precisa refrescar a memória de poucos
brasileiros que leem, mas que descartam os fatos, mais preocupados com seu
time preferido que foi campeão, sendo isso que importa? Ou para alguns milhões
de outros brasileiros que estão focados no próximo Big Brother ou na Copa das
Confederações e na Copa do Mundo, e
preferem ignorar o derrame de dinheiro público e indícios de sobrepreço e
superfaturamento nas obras dos estádios?
Relembrar
as promessas recentes e irresponsáveis da presidente, que diz que pode dar
desconto nas contas de luz, incentivando o desperdício? A conta de luz é cara? Claro que é, mas, se fossem
acrescentados todos os custos ambientais e sociais oriundos das hidrelétricas
na Amazônia e o futuro ameaçado dos ecossistemas, ela seria muito mais cara.
Aí as pessoas talvez sentissem no bolso o peso dos impactos. Por outro lado, não se viu esforço no
sentido de minimizar as perdas técnicas e comerciais de energia elétrica nas
linhas de transmissão e distribuição, que chegam perto dos 20%. Mas energia
de hidrelétricas é barata, diz o setor. Para
quem?
Por falar em economia, não quero relembrar que a
campanha de substituição das lâmpadas tradicionais
por lâmpadas de vapor e gás de mercúrio, altamente tóxicas, pode ser o
começo do fim da consciência ecológica que até vinha crescendo no seio da
sociedade. Milhões e milhões para o lobby
dessa indústria homicida que não
prevê o descarte e não expõe o perigo nos rótulos das lâmpadas compactas
fluorescentes. Lembrar que as maiores ONGs ambientalistas, como WWF e
Greenpeace, têm sido as maiores defensoras dessas lâmpadas mortais? Não,
não quero fazer retrospectiva!
Que
tal lembrar que a Vale foi eleita a pior empresa do mundo? Satisfaz nosso desejo por justiça? Ou que algumas
grandes empresas mineradoras canadenses, já por mim denunciadas, como a Belo
Sun Mining, estão explorando ouro da
região em que estão construindo Belo Monte?
Outras estão explorando ouro onde o governo federal
decidiu construir as hidrelétricas, no rio Tapajós e outros, até formaram um consórcio para explorar a
província mineral do rio Teles Pires e Juruena. Será que temos que fazer retrospectiva de todo esse lixo capitalista
transnacional para conscientizar a população que entra e sai do elevador, do
restaurante, de todos os lugares teclando seu smart alguma coisa?
Relembrar
que o maior banco público do Brasil,
que deveria financiar com juros
subsidiados a iniciativa de pequenos
produtores rurais, comerciantes, geração de renda, serviços, economia local,
o BNDES, acaba de soltar uma grana preta para os barrageiros de Belo Monte, para a elite construtora da hidrelétrica Santo
Antônio do Jari, para a Odebrecht de Jirau no rio Madeira, dá náuseas.
Isso é retrospectível?
A
retrospectiva que eu queria, não será possível fazer neste final do ano de
2012. E, até acredito, que com o andar dessa carruagem chamada Brasil, em
nenhum ano até 2200!
Muitos
vão se alegrar, pois, com este artigo, encerro meu ativismo socioambiental.
Feliz 2013!
Telma Monteiro
Telma Monteiro é ativista socioambiental,
pesquisadora, editora do blog: http://www.telmadmonteiro.blogspot.com.br especializado em projetos infraestruturais na
Amazônia. É também pedagoga e publica há anos artigos críticos ao modelo de
desenvolvimento adotado pelo Brasil.
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